Raid Festival Brasil off-Road 2001
Relato do Décio Pedroso:
Meninos, eu vi!
A semana toda choveu em São Paulo, como só nas vésperas de um raid costuma chover.
No estacionamento de onde largaríamos, os carros mal conseguiam estacionar corretamente,
tamanha era a camada de barro que grudava nos pneus, transformando em slick, até o mais
agressivo dos Frontiera.
Aliás, capítulo a parte, a única correta intervenção da organização nesse raid foi
impedir o uso dos pneus agrícolas na competição. Os que porventura não acharam que
esse ítem do regulamento seria levado a sério, foram convidados a largar lá no fim do
comboio, para não prejudicar quem vinha com os pneus regulamentados. Bom, isso foi tudo
que a organização fez.
Recebemos o número 2 de porta e o número 1 não compareceu. Largamos liderando o
comboio. Sem marcas na trilha, nossa navegação teria que ser perfeita!
A planilha estava bem feita, com passagens interessantes e bem escolhidas. No entanto, o
mais velho dos recursos para garantir adrenalina foi aplicado: médias altas.
Com o terreno se desfazendo sob nossos pneus, éramos obrigados a trafegar em baixadas de
morros à até 30 Km/h, litaralmente voando nas curvas de nível, e passando por erosões
sem dar tempo à suspensão de trabalhar. A Band ia bem mas começava a reclamar dos
esforços extras. Os BF 33 começavam a raspar mais insistentemente nos pára-lamas,
indicando que as molas terão que ser revistas esta semana...Pior para o seu Carlos, que
cometeu a insanidade de nos patrocinar...
Qualquer exitação diante de um cruzamento, e lá se iam 15, 20 preciosos segundos que
somente a duras penas conseguíamos recuperar. Dávamos graças a Deus por estar no
início do comboio, pois lá atrás, a coisa devia estar feia!
Ao chegar no neutral do almoço, encontramos com o Parmesão, q colocou-nos a par de suas
dificuldades. Seu guincho tinha surtado e trabalhado por vontade própria. Algo aconteceu
na caixa de solenóides e o guincho começou a engolir a si próprio. Quando o motor não
conseguia mais girar, a corrente exigida torrou o cabo de alimentação, colapsando toda a
parte elétrica do Engesão dos Vernizzi.
O estrago só não foi pior pois o Fábio tinha uma chave geral que ele desligou. Essa
chave, porém, ficava do lado interno do capô do motor, o que fazia com que ficasse
geralmente ligada. Na Band Assassina, onde também tinha guincho elétrico Work, a chave
geral ficava na frente, ao lado do guincho e eu a mantinha SEMPRE desligada. Recomendo
isso a todos os usuários de guinchos elétricos, Work ou não.
Com essa brincadeira toda, ele também perdeu seus pontinhos, mas seguia firme na prova.
Fim do neutral, largamos para a segunda metade. Íamos no mesmo ritmo da 1a parte, nem
melhor nem pior. Então nos deparmaos com uma subida forte em curva, bem judiada por uma
erosão que a cortava.
Primeiro ataque, os BF patinaram, uma roda dentro da erosão, faltou-nos tração para
superar o obstáculo.
Segunda tentativa, o mesmo aconteceu.
Na terceira vez, ainda sem sucesso, e já estressado com o tempo crescendo no Totem, ao
voltar de ré, deixei a traseira escorregar para fora da trilha. Como o carro não ia mais
para frente, era necessário voltar ainda um pouco mais. Tendo mal avaliado o desnível do
terreno, ao voltar, a Band se inclinou de tal forma, q quase se vai. Parei imediatamente.
Não conseguíamos nem respirar dentro do carro.
Do alto do meu posto, eu olhava para a direita e via o Maurício já muito abaixo de mim,
e o chão, por sua janela, num ângulo que jamais havia observado de dentro de um veículo
de quatro rodas.
O Maurício decidiu sair, mas fiquei com medo que a Band rolasse por cima dele.
Ele abriu sua porta com todo o cuidado, sem provocar nenhum grande desequilíbrio no
carro. Soltou seu cinto, desembaraçou-se do capacete e graciosamente, como uma bailarina
espanhola grávida de um rinoceronte, saltou para fora, rapidamente ficando fora do
alcance das 2,5 ton de pura Band.
Ele deu a volta no carro e começou a sinalizar para os outros competidores para sentar o
pé na subida.
Depois que todos da Graduados passaram, ele subiu no estribo esquerdo, fazendo contra-peso
para que eu pudesse sair.
A situação da Band era lamentável. Era incompreensível que ela não tombasse de uma
vez. Daria para ficar em pé sobre a lateral de seu pneu traseiro. Tinha a mão de Alguém
ali, impedindo que ela se fosse.
Discutimos muito em como melhor fazer o seu resgate. Chegamos à conclusão de que o
melhor seria prender uma cinta no bagageiro para garantir sua estabilidade, atravessando-a
na trilha e ancorando-a em uma árvore do outro lado. Naturalmente, teríamos que esperar
os outros competidores passarem para não prejudicar ninguém.
Depois disso, passa um jipe da organização, que pergunta se estávamos bem. Como a
situação estava estabilizada, eles passaram um rádio alertando os demais e disseram que
"iam ali e já voltavam". Bom, desnecessário dizer que estamos esperando por
eles até agora...
Esticamos a faixa de reboque conforme planejado, e prendemos o guincho a uma árvore bem a
frente da Band, que estava paralela à trilha, mas toda jogada para o lado direito. Ao
movimentar a alavanca do guincho, o Maurício viu o pneu esquerdo traseiro da Band quase
desgrudar do chão.
Entrei na Band pela clarabóia que havia se transformado a porta do motorista, coloquei o
capacete e, sem cinto, pois ele ficou travado na posição de recolhido, acionei o
guincho.
Tive o cuidado de não tracionar, para evitar que os pneus patinando cavassem o chão e
desestabilizassem sua precária condição. Senti a faixa retesar-se, mas o logo o eixo
dianteiro alcançou um terreno mais nivelado e a Band voltou a firmar. Ainda estávamos
fora da trilha, mas a iminência de capotamento parecia estar afastada.
Mudamos o guincho de posição, atravessando o cabo em 45o com a trilha para embicar a
Band no rumo certo. A faixa no bagageiro, servindo como o raio de uma curva, também
ajudou a retomada da direção correta.
Foi então que algo se mexeu. A árvore onde havíamos prendido o guincho estava agora bem
de frente para a Band e inclinou-se em sua direção. Não era mais grossa do que um
braço, mas suficiente para um bom estrago, se viesse direto. E ela veio.
E eu que sou um atleta, rapidamente mandei o heroísmo pras P...s e me escondi sob o
painel da Band. nenhum lugar mais confortável, naquel momento.
Mas mais uma vez, no meio de tanto azar, demos sorte. Quando a árvore vinha certa para
amaçar-me a capota, enroscou em alguma coisa lá em cima e parou. Seu tronco, a uns
trinta graus com o chão, ainda ameaçava.
Esperamos um pouco e o inevitável aconteceu: o galho lá em ciam se partiu e ela acabou
de cair. Por sorte desviou-se em sua trajetória, caindo sobre a cinta extendida na
trilha. A Band balançou, mas permaneceu firme, ainda menos inclinada que antes.
Rapidamente o Maurício mudou o guincho de árvore e demos sequência à operação.
Bom, daí, o impensável aconteceu: com o aumento da carga sobre a cinta, a primeira
árvore onde a cinta estava amarrada também veio a baixo, caindo em cruz sobre a primeira
e quase acertando o capô da Band, parando no cabo de aço que liga o quebra-mato ao
bagageiro.
Nesse momento, paramos tudo e desci do carro para rir de nossa situação. Naquele
momento, toda a tensão acumulada se foi e morremos de rir de nós mesmos diante do
absurdo em que nos encontrávamos. A Bnad parecia ter sido colhida em meio a um gigantesco
jogo de pega-vareta e nós estávamos emaranhados entre galhos, cintas e cabos.
Como nenhuma comédia é completa sem um novo e surpreendente fator, nesse exato momento,
encosta um jipe buzinando estressadíssimo:
- Rápido, rápido!!!! Estamos atrasados - gritavam!
Rarara! Era de chorar de rir! Como não houvesse outro jeito, tiveram que nos ajudar a
remover as árvores e esperar a conclusão da guinchada da Band de volta para a trilha,
pois ela ainda estava atravessada, sem jeito de ninguém passar.
Superamos a subida com incrível facilidade dessa vez, e demos passagem ao competidor na
primeira oportunidade. Paramos para relaxar por um instante, revimos o acontecido e
decidimos continuar planilhando, sem nos preocupar com o tempo, que já agora contava 53
minutos de atraso.
Depois do incidente, que por muito pouco não vira um Acidente, seguimos navegando agora
bastante relaxados.
Alguns competidores da Turismo ainda passaram por nós, muit atrasados e muito perdidos.
Naturalmente nós continuamos seguindo no nosso rítmo, sem se preocupar mais com médias.
Vai daí, ao aproximar-se de um atoleiro, a fila. Vários carros parados, descemos para
ver o que havia. Um CJ branco estava lá, fazendo o sabia fazer de melhor, ou seja,
quebrado... :-)
E não era ninguém menos do que o Fraldinha, ex-piloto do Maurício, velho conhecido meu,
também, quando a Band Assassina livrou-os de uma erosão onde tinham caído, bem no meio
de um Raid da Cantareira. Nessa ocasião, eles chegaram em 3o lugar, se não me engano, e
nós em 5o.
Bom, o Maurício debruçou-se capô adentro enquanto os demais competidores se aventuravam
pelo atoleiro ou optavam pelo aborto. Uma L200 tentou passar e chifrou espetacularmente ao
tentar sair, o que deu a dimensão exata da profundidade do atoleiro e do tamanho do
degrau na sua saída.
Mais uma vez estávamos soltos à nossa própria sorte. Nem sinal de apoio. Ninguém da
organização para tirar que encalhasse. Fiquei imaginando o que teria acontecido ali se o
raid não tivesse sido o fracasso que foi. Dos 22 jipes que largaram, quase metade ficou
pela primeira parte, não só devido à falta de apoio generalizada, como também devido
às altas médias, que aumentam significativamente o índice de quebras.
Não fosse isso, e teríamos uma enorme fila para superar aquele atoleiro. Daí já viu,
né? Gente estressada, brigas, discussões e ninguém para ajudar ninguém depois de
superado o obstáculo...
Ouviríamos depois de pessoas da organização que raid era isso aí, "era cada um
por si"
Fico eu pensando por que mesmo é que eu paguei R$ 100,00 por um raid que não tinha nada
mais a oferecer do que tantos outros onde a inscrição não passa de R$ 60,00. Com
direito à apoio decente, almoço incluído e respeito da organização.
Pelo visto, contribuí para a próxima participação do Arilo nos Sertões...Legal :-(
Bom, alguém conseguiu ajudar a L200, mas qdo uma Band ficou na mesma situação, ninguém
conseguiu tirá-la de lá. Era mesmo um trabalho para a KF.
Demos a volta pelo aborto, prendemos a cinta, mas nem dando trancos significativos
conseguimos faze-la escalar o degrau quase da altura de seu pneu. Rezamos para o Sto.
Biselli. Esse não negou fogo e rapidamente, ou melhor dizendo, lentamente a Band foi
surgindo do lado seco do mundo.
Seguimos nesse passo do anda-um-pouquinho-pára-um-pouquinho-230-km...Sempre com o CJ
falhando tossindo ou apresentando alguma avaria.
Na última vez ele teve um pneu destalonado e o acelerador grudado sem voltar.
Dessa vez apareceu o pessoa da organização(?) para dizer que deveríamos ter tirado o CJ
da frente para os outros passarem!
Ah, meu velho, daí o tempo esquentou! Era um bando de barbados com chave de rodas e
high-Lift na mão, batendo boca cada vez mais acaloradamente, que achei q a coisa ali ia
ficar feia!
Calma reestabelecida, contentamo-nos em dar um banho de lama nos caras e fomos embora
comboiando o Fraldinha.
Andamos um pouco e logo a frente, tudo parado de novo:
- Mau, corre lá que teu amigo pifou de novo...- disse eu desanimado.
Pouco tempo depois volta o Maurício esbaforido:
- Que Fraldinha, que nada. É o Parmesão que está sendo rebocado!
É claro que fui la ver o que havia. O Engesão tinha tido um princípio de incêndio e
agora estava morto como a economia da Argentina. Um valente CJ vinha trazendo-lhe
arrastado. Desnecessário dizer que não era ninguém da organização.
O Engesão tinha levado uma pancada por baixo, rompendo seu escapamento, que por sua vez
rasgou o tanque de combustível. Num estouro do motor, o fogo começou. Provavelmente o
Parmesão dará mais detalhes em seu site.
Bom, uma enorme subida nos aguardava e o CJ mais um Troller não deram conta de levá-lo
para cima. A Band foi requisitada, mas nem ela sozinha conseguiu. Tivemos mais uma vez que
apelar para o velho Santo. E lá fomos nós morro acima a estonteantes 5 Km/dia.
Seguimos nesse ritmo planilhando e nada de apoio ou de alguém para nos indicar qual a
melhor forma de voltar para o asfalto, já que, quase 18h00, ninguém mais pensava em
prova. Ao fim da Trilha da Roberta Close, atingimos a civilização e pudemos nos achar.
Ou quase, já que um erro de navegação acabou nos levando para o lado oposto.
O interessante é que, ao chegarmos a uma cidadesinha qualquer, passou por nós o Poka,
conhecido jipeiro e mecânico da região, que fazia parte da organização(?). Ao ouvir
nossas reclamações, ele ainda disse que estava tudo certo, que ele estava lá para
resgatar-nos. Que não chegaram antes por causa de uma Band tombada! Opa!!! Band tombada?
Quer dizer a minha? Qualé, Poka?
Daí o discurso já era outro: "estou aqui sozinho, olha meu carro..." De fato
era um Niva de dar dó, trazendo a reboque um CJ. Mas e nós com isso? Cadê o resto da
organização(?) ? Para onde tinham ido os R$ 100,00 que pagamos para participar? Já sei,
já sei, o Arilo vai correr os Sertões de novo...
Bom, largamos o Poka por lá pois não estava com minha chave de rodas à mão.
(nada contra ele, mas já que fazia parte da organização(?) e ainda tentava
defende-la...)
Chegamos à Castelo Branco às 9h30 da noite, deixamos o Parmesão lá esperando o guincho
e fomos levar a Andréa para pegar seu carro, que havia ficado lá no local do Festival.
Chegamos lá por volta de 22h00 e o espetáculo era deprimente: Tudo escuro, umas poucas
almas por lá e o resultado melancólico do raid: Na categoria Graduados, o Parmesão
ficou em 6o e nós em 8o. Apenas 8 jipes estavam inscritos.
Na Turismo, por conta do bate-boca no lamaçal, todos os PCs depois do almoço foram
cancelados, mas não tenho idéia da classificação de ninguém.
Então foi isso.
Da minha participação, não tiro minha culpa pelo quase capotamento. Foi um pouco de
falta de braço, navalhada mesmo. E um pouco também por ser o primeiro do comboio em uma
trilha bastante molhada.
Mas a falta de organização é imperdoável, especialmente quando se paga tão mais caro
pela inscrição por um raid que oferece tão menos.
Eu sei que as despesas para correr os Sertões não são poucas, ainda mais correndo com
aquela COISA coreana...Mas o que que eu tenho com isso? :-)
Abraços arilovais,
Decio Pedroso
JipeNet/SP - Band 94 Kátia Flávia
Vejam abaixo a reportagem deste Raid, na
revista 4x4 & Cia.: