Raly da Mantiqueira 2001
Caçapava - Campos do Jordão - São lourenço - 06 a 08.4.01

Esta aventura começou na sexta-feira, dia 06 quando enfrentamos um grande transito para sair de São Paulo e quando ficamos sabendo que nosso Engesão ainda não tinha ficado pronto, da troca dos freios traseiros.  Saimos com o NiViper e fomos para Caçapava onde haveria a largada promocional.  Como demoramos muito, conversamos por telefone com nossos colegas Decio Pedroso e Mauricio Lima, que também iriam competir, para pegarem nossos adesivos e verificar o que era necessário.

Chegamos a meia noite na estrada entre a Rodovia Pres.Dutra e Campos do Jordão, onde fizemos a aferição. Seguimos até Campos do Jordão onde chegamos as 2h00.

Na manha do sabado, fomos para o local da largada em Capivari, onde adesivamos e largamos as 10h36 pois eramos o primeiro jipe da categoria Raid. 
Nesta prova havia também a categoria Enduro, composta por duplas de motos, e a categoria Raly, composta por veiculos 4x2 ou alguns 4x4.

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Largamos tranquilamente, fizemos o primeiro trecho sem nenhuma dificuldade e passamos pelos primeiros 11 PC's (postos de controle) sem atrasos.  As 2h00 tivemos uma parada para um lanche e logo após a relargada, estavamos numa estrada de terra onde encontramos um trator "niveladora" que estava fechando a passagem, tivemos que aguardar ele manobrar mas logo a frente havia um PC onde passamos 12 segundos atrasados. Continuamos a prova, e não tivemos mais grandes problemas até a passagem tranquila no PC 17.
Continuamos o deslocamente final até chegarmos no centro de São Lourenço, onde tivemos uma recepção na praça principal da cidade e depois uma festa a beira da piscina no Hotel Metropole.

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Passamos o final deste dia e a manha do domingo aproveitando a infraestrutura do hotel e passeando pela cidade. Na hora do almoço iniciou a divulgação dos resultados. Para nossa frustação a organização cancelou 7 PC's, e justamente PC's onde outros competidores haviam passado atrasados por terem errado o trajeto.  Infelizmente ficou muito mais explicado e foram poucos convincentes os argumentos apresentados, o que de fato foi extremamente injusto com todos os que se dedicaram e se prepararam para a prova. Descobrir que competidores que tiveram problemas de navegação e consequente atrasos foram beneficiados por estes cancelamentos e com isto ficaram melhor colocados que os que não erraram nada.
Como não podiamos mudar a decisão da organização, e em nada adiantou o recurso, acabamos sendo anunciados como o 4o. Colocado na prova, com 48 pontos perdidos.

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Desconsiderando o problema de apuração e resultados, foi uma prova muito tranquila, passando por estradas bastante faceis e com um belissimo visual, pois percorremos por todo o dia diversos trechos da serra que liga as duas cidades.

Abaixo o relato de nosso colega Décio Pedroso:

Alô moçada!!!!

Cá estou eu de novo. Indo e voltando, como uma certa usina nuclear que bem conhecemos.
Como nosso amigo Fábio já iniciou, e antes que ele passe a denegrir completamente minha participação nesse Raid, junto com o valente Navegador Maurício Lima.

Conforme combinado, saímos de casa às 6h30 da última sexta para encontrar com o Fábio e seu poderoso Engesa. Quando estávamos já a meio caminho do ponto de encontro, toca meu celular e ouço do outro lado a inconfundível voz de alguém profundamente frustrado. Contou-me uma história confusa sobre a greve dos agentes penitenciários e fuga de vários prisioneiros do Pavilhão 9. Mas logo agora que o Complexo do Carandiru estava para ser desativado? O que acontecia afinal? Barulhos de tiros, metais batendo, gritos e silêncio. Um silêncio como só a bordo de uma Toyota se ouve.
Após mais duas ou três ligações, ficou claro que o engesa não ficara pronto (aliás, isso é uma constante desse carro, desde seu envio de POA, quando ele deu no-show aqui em São Paulo, para depois ser descoberto escondido no fundo do pátio da transportadora...). Em resumo, o Fábio falou que não ia, que estava frustrado, que a patroa não tinha liberado o Corsa para correr na categoria Rally e que ele queria ir pra casa nana.
Em meio ao confuso trânsito de São Paulo numa sexta-feira à noite, convenci o Fábio a ir até sua casa pegar o Niva. Iria até Caçapava convencer os organizadores que ele não poderia participar da Largada Promocional, mas estaria correndo com todo o gás no dia seguinte.
Seguimos bem pela Ayrton Senna e pegamos a Dutra pouco antes de Saint Jose of the Field. Caímos na Dutra e baldes caíram sobre nós. Chovia como só na véspera de um Raid costuma chover. E a Dutra parou. E continuou parada por mais de uma hora e meia. Depois de colocar todos os assuntos em dia, falar de todos os Service Pack da Microsoft, vantagens e problemas de cada um, contar os pingos no pára-brisas, etc, finalmente não tínhamos mais nada a falar.

O trânsito então começou a andar e cada um de nós voltou a se animar. Dez quilômetros à frente e comecei a achar que estava com sono. Já parecia não enxergar muito bem, as luzes me ofuscavam e a visão parecia se embaçar. Já ia encostar para passar o volante a meu valente navegador quando percebi o ar-condicionado surtara e todos os vidros estavam embaçados. Rapidamente abrimos os vidros e quebra-ventos. Minha latinha de coca caiu mas não dei importância pois voltava a ver o Retão de Jacareí. Chegamos finalmente à Caçapava bem a tempo de ver o comboio se mandando em direção à Campos do Jordão. Paramos no posto de encontro, pegamos os
(des)organizadores à laço e soubemos que o Fábio poderia vir sem problema pois poderia largar normalmente no dia seguinte.
Partimos então para Campos, ainda com todas as janelas abertas pois o ar-condicionado continuava parado. Quem tem Toyota com guincho mecânico sabe o que é pegar uma estrada com as janelas abertas. O buraco para a passagem da alavanca da tomada de força, que fica bem ao lado acelerador, fica apontado diretamente para seu tornozelo direito. Quando a janela está aberta, boa parte do ar quente que vem do radiador é sugado pelo buraco da alavanca do guincho, sobe por dentro da perna direita de sua calça, aquece-lhe os culhões, o umbigo e só vai sair pela manga esquerda da camisa, cujo cotovelo, naturalmente encontra-se do lado de fora do possante veículo. È como uma estufa portátil, com a vantagem que não precisa do telhado de vidro. Eu já suava em bicas, quando a KF apontou serra acima. Com o aumento do
esforço, embora a temperatura interna do motor mantinha-se nos habituais 90o C, com o aumento da energia dissipada, a temperatura do meu tornozelo elevava-se a níveis perigosíssimos.

Já pelo meio da serra, percebi que meus pés começavam a grudar no tapete de borracha. Inicialmente era só um tchec-tchec que só percebia ao movimentar o pé do assoalho para a embreagem e vice-versa. Depois a aderência foi se tornando progressivamente mais sensível até chegar a tornar-se realmente incômoda. Já não agüentando mais o desconforto do calor e daquele novo fenômeno, resolvi compartilhar com o Maurício as minhas impressões:
-          Cara, acho que iss ta tão quente que até o tapete amoleceu. Ta grudando no meu pé!
-          Que isso, meu - o Maurício também é paulista - vê aí a temperatura do motor.

Como a temperatura do motor estava mais firme que...q pára-choque de Toyota, não demos maior atenção ao problema. Mas eu parecia pisar num mar de chiclete.
Quando finalmente encostamos em frente à Pousada, parecia que tinha velcro nos pés. Desci para tomar diversas providências enquanto um curioso Maurício projetou-se pelo interior da Band pelo lado do motorista e saiu de lá triunfante:
-          Que tapete derretendo, que nada! Foi a P... da sua Coca-Cola que caiu no chão e melou tudo!!!!!

Tive que ir dormir com essa....

No dia seguinte acordamos com uma sinfonia de alarmes de relógio, telefones celulares e um tio derrubando a porta para nos acordar - tudo devidamente programado para que não perdêssemos a hora do raid. Abro a janela e ao olhar para baixo, deparo-me com um amontoado de peças, bagagens e carro que, pelas enormes faixas azuis, logo deduzi ser de nosso amigo Fábio Parmesão.
Rapidamente tomamos um excelente café da manhã e mandamo-nos para o ponto de largada. Não sem antes as conhecidas e manjadas perdidas, paradas para
indagar o caminho correto, novos erros, novas paradas, etc...
Após pegar adesivos e planilhas, enquanto nossos navegadores dedicavam-se à sua arte, eu e o Fábio passamos a fazer o que de melhor sabemos: jogar conversa fora.
No momento da largada, alinhamos nossas viaturas enquanto começamos a assistir a partida dos demais, começando pelos carros (as motos já haviam partido há muito). Eles seguiam sem capacete mas não demos  maior atenção, leigo que somos no mundo do rally. Mas quando vimos os primeiros jipes partindo, com sua tripulação também sem capacetes, aliás sem mesmo cintos de segurança, percebemos que algo de muito estranho estava por ocorrer. Ainda embasbacados com o que via, um jipe emparelhou conosco e, diante dos gestos enfáticos que faziam, abri meu vidro para melhor ouvi-los:
-          Podem tirar os capacetes. Aqui não se usa isso, não!
Não? Nós usaríamos! Os mesmos dedicados jipeiros fizeram o mesmo ao lado do Parmesão, que também não se deu por vencido, mantendo seus capacetes intocados. Até por que contavam com os excelentes intercomunicadores, produzidos por nosso amigo aqui da JipeNet - Donatti, com quem tive o prazer de passar outro raid
quebrado (mas isso já é outra história...). Largamos!
A prova não trazia maiores dificuldades, nem de navegação, nem de pilotagem, já que seguia por estradas de terra bastante boas para rodarmos com o mais urbano de nossos carros. As médias também eram para lá de razoáveis. Foi bom para desenferrujar...
A paisagem, no entanto, era digna de nota. Pretendo inclusive organizar um passeio por aquelas paradas para breve, tipo "easy baby super". Bom, íamos seguindo cada curva do caminho, quando as coisas começaram a acontecer: primeiro passamos um carro da categoria rally. Coitado, mais perdido que cego em tiroteio.
Em seguida, um caminhão manobrando interpôs-se entre nós e o resto do mundo, depois um fusca velho, uma vaca, uma Kombi, outra vaca e então os deuses se superaram: uma vaca seguida de perto por um fusca velho. E os dois lá, a quase 3 Km/h, estressadíssimos tirando tempo.... Faziam assim: o fusca vinha por um lado para ultrapassar a vaca. A vaca, que tinha numeral mais baixo, era vaca mas não era besta, jogava o rabo prum lado e trancava a frente do fusca. O fusca tentava então do outro lado e tudo se repetia. E nós ali, calmamente assistindo aquele espetáculo de tenacidade, competição e adrenalina que só o interior do país e eventualmente o Rubinho Barrichello podem nos propiciar. Enquanto isso, luzes verdes se acendiam no painel do meu Totem e nosso tempo ia crescendo a olhos vistos.
Eis que, para nossa sorte, um neutral imprevisto apareceu na planilha da vaca e ela teve que encostar. Logo após o fusca fez o mesmo e pudemos seguir competindo sem a vida de nenhum pai de família tivesse que pesar sobre aquela vistosa tripulação. Rapidamente recuperamos o tempo perdido naquele espetáculo germano-ruminante e pudemos passar por mais um PC zerados.
Íamos assim, nos dando bem apesar das agruras dos obstáculos do caminho. Preparávamos agora para a última etapa. Apenas 40 min mais de prova nos
restavam.
Foi quando senti o motor da KF fraquejar em alta, nas esticadas de marcha. Alertei o Maurício que algo não ia bem, enquanto ele fazia dois ou três elogios à minha família por cada segundo perdido. A coisa já então ia feia: mesmo nas rotações intermediárias o motor perdia força e falhava. Quando a situação já estava insustentável, e toda a minha ascendência já estava presente na viatura pela boca de meu dedicado e circunspeto navegador, encontrei um lugar para encostar e ataquei o capô.
Arranquei a tampa do filtro de ar - como um cirurgião cardíaco frente a um enfarte do miocárdio - certo de que algo obstruía o sorvedor de ar do valente. Retirei de suas entranhas galhos, folhas, cuecas e até um funqueiro que lá se alojara na ultima passada nossa pelo Rio. Arremessamos então a tampa do cofre contra o seu batente e lançamo-nos para nossos postos. Dei partida e o motor rugiu forte. O Totem,a essa altura já marcava mais de seis minutos de atraso. Nada que não pudesse ser recuperado.
Engatei pela primeira vez o 4x4 naquele dia e partimos em disparada pela estrada a fora, arrastando os BF nas curvas, a buzina e o coração disparados.
Encontramos um PC ainda com mais de 5 min de atraso, nem paramos para pegar boleto. Cobrimos-lhe de poeira e isso foi tudo.
Poucas curvas depois, o motor tossiu e faleceu. Assim como a última de nossas esperanças. Junto com ela, passaram os cinco últimos carros, batidinhos a meio minuto de distância cada um, tal qual na largada. Lá se ia uma bela prova pelo bueiro. Ou melhor, pelo filtro. O problema então não era no filtro de ar, mas no de combustível. E só quem bem conhece o interior do cofre de uma Band com motor 14-B sabe a peça que o destino nos pregava. Para soltar o maldito filtro, a única ferramenta que consigo imaginar, seria uma chave em W, com bocas em todas as extremidades e autopropelida, pois não há como caber ali a sua mão para manipula-la. Que coisa! Passaram por nós cavaleiros, meninos, peões, bicicletas, araras-azuis, micos-leão-dourados, unicórnios, fadas, demônios e lagartos. E nada de daquele maldito filtro se soltar.
E então o melhor: um Niva se aproxima lentamente e pára, como só um limpa-trilha ousaria fazer. Sem descer da potente viatura, três Barbados rapidamente nos perguntaram o que havia. Mal terminávamos de falar sobre o problema no filtro e o Niva acelerava:
-          Então está tudo certo, né? Se precisarem de alguma coisa, é só chamar!
Chamar? Lá se ia nosso limpa-trilha, incumbido em sua tarefa de chegar ao fim o quanto antes.
Bom, só nos restava agora conseguir limpar o filtro e colocar a Band para rodar. Livramos a maldita peça, tentamos por tudo que nos era possível limpa-la, montávamos novamente e nada de funcionar. Com o passar do tempo, lembrei de ligar para o Fábio que, tendo largado antes, já devia estar há tempos a nossa espera. Infelizmente nosso celular estava fora de área e não logramos êxito. Por outro lado, também não podíamos deixar o PX ligado por causa da valiosa bateria, cuja carga ia se esgotando rapidamente a cada partida do pesado motor diesel. Finalmente, após desistirmos do filtro (e ele de nós), resolvemos aplicar-lhe um by-pass.
Mangueira de um no cano do outro e lá se foi aquele maravilhoso diesel para dentro da bomba injetora, fazendo roncar forte o motor da KF. Sói Deus sabe que tipo de impurezas e melecas aquela operação levou para dentro de meu motor. De qualquer forma, 30 minutos mais tarde já nos encontrávamos no Hotel Metropolitano em São Lourenço. Sujos mas felizes por não passar a noite na estrada.
Imediatamente fomos procurar o Fábio e a Andréa, que deveriam realimente estar preocupados com nosso desaparecimento. O Fábio demonstrou mesmo uma
preocupação que só um jipeiro sabe ter por outro. De dentro de uma enorme Jacuzzi, ao lado de uma seqüência interminável de latinhas de cerveja, ele balbuciou:
-          E aí? Chegaram? Vamos entrando!
Comovidos com tanta preocupação, fomos jantar e jogar conversa fora (aquilo que fazíamos de melhor).

No dia seguinte, como de hábito, a apuração atrasou duas ou três horas. Quando noticiaram que sete dos dezesseis PCs seriam cancelados, uma luz de esperança novamente se nos iluminou. Afinal de contas, havíamos perdido apenas 3 PCs com nossa pane. Mas, como se sabe, esperança de pobre dura pouco. Apenas um dos sete PCs cancelado pertencia ao grupo dos quatro que havíamos perdido. Os outros seis eram aqueles em que passáramos quase zerados.
O Fábio e a Andréa pegaram um (inusitado para a performance do casal) quarto lugar, atrapalhados que foram por uma motoniveladora que resolveu fazer uma rápida manutenção na pista bem à sua frente.
Voltamos para São Paulo certos de que o raid fora uma M...mas como passeio, tinha valido. Das poucas vezes que pude levantar os olhos do painel e da estrada, pude divisar uma paisagem que só o Sul de Minas pode proporcionar.
O trajeto, saindo de Campos do Jordão e indo "dar" em São Lourenço (no sentido familiar, é claro) é dos mais felizes e vale a pena ser revisitado.
Então ficamos assim: corremos como nunca, perdemos como sempre. Mas o que fica é o prazer, não é mesmo?

Abraços mineiros,

Decio Pedroso.

Veja abaixo a reportagem da Revista 4x4 & Cia.:
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