3a. Etapa Copa Sudeste 2003
Raid Piracicaba -
05.07.03

Relato feito pelo "Navegador"  Decio Pedroso

Um dia desses, estava eu trabalhando arduamente como sempre faço, nas
suntuosas instalações dos escritórios da CHAME HELP, quando recebi um e-mail
do Parmesão com o Subject “Raid de Piracicaba”.
Antes mesmo de abri-lo, já outro surgia em meu Inbox: “Raid de Piracicaba –
Vamos?”, vindo naturalmente do mesmo remetente.
Enquanto movia-me em direção ao mouse para saber que diabos estava
acontecendo, toca meu celular e não outro senão nosso amigo Parmesão
(“aquele” das faixas azuis) me inquere todo aflito:

-          E então? Por que não responde meus e-mails? Vamos correr nesse
fim de semana? Vamos? Diz que sim, vai, por favor!

Foram tantos os pedidos, tão insistentes e desesperados que, pondo a
precaução de lado, aceitei.
O Fábio ficou que era uma felicidade só:

-          Obrigado, obrigado! Puxa! Você não vai se arrepender!!! – dizia a
criança.

Também pudera, desde que seu último raid terminou embaixo d’água, com a
patroa Andréa - candidata a Santa Padroeira dos Jipeiros -, tendo que
respirar pelo cano de escape enquanto aguardavam a turma do limpa-trilha,
Fabinho estava sem um navegador que se arriscasse em seu jipe.

Bom, ficamos de nos encontrar em minha casa no sábado às 5h00 e lá por volta
de 5h30 quando eu já estava subindo pra dormir de novo, vejo dobrar a
esquina um treminhão, daqueles que se usa no interior pra puxar cana, sabe?
Olhei melhor e era o Parmesão chegando à frente de um estranho comboio: uma
L-200 vinha arrastando e sendo arrastada pelo Capotão, digo, Engesão. E com
a maior cara de pau abaixa o vidro (insufilmado, como carro de boy) e
pergunta:

-          Pronto?

Bom, sem querer manda-lo à M...@ logo antes de iniciar o Raid, e também para
não acordar o resto de meus vizinhos que ainda não haviam despertado com o
suave arrastar dos pneus traseiros da L-200 ao dobrar a esquina empurrada
pela frente do Engesa, simplesmente peguei minhas coisas, a ‘pequena’ doação
de 24 l de leite para a inscrição e coloquei-me à bordo.

Justiça seja feita, nunca fui para um raid com tanto conforto: bancos de
couro, somzão (apesar dos pagodes a que fui submetido), ar condicionado e,
nas retas, quando os pneus traseiros da pobre camionete não estavam sendo
arrastados de um lado para outro, até se podia conversar em seu interior.

Ah! Tive também meu primeiro contato com o Colossus da Totem, equipamento
que iríamos utilizar durante a prova.
Depois de conseguir aplacar um pouco toda a alegria e contentamento quase
pueril de nosso amigo Parmesão, pude concentrar-me no novo aparelho à minha
frente.
Notei que o para mim novo modelo trazia muitos avanços, mas também algumas
estranhezas. Comecei então a discutir minhas impressões com o Fábio,
pedindo-lhe sua opinião sobre esse ou aquele novo recurso. A cada pergunta,
ele fazia menção de pegar o celular, olhava o relógio e logo desistia de
ligar para a Andréa, provavelmente lembrando de sua doce despedida enquanto
ressonava:

-          E não me dê sinal de vida até 5 min antes da largada, está
ouvindo? EU QUERO DORMIR!

Bom, diante disso, resolvi então consultar o manual, que como todos sabem,
desde há muito, é cuidadosamente redigido pelo próprio Peninha e traz tudo o
que se precisa saber para a boa utilização de seus produtos. Mas ai, pobre
de mim! Aquilo que o Parmesão retirou de sua bolsa parecia vir do naufrágio
do Titanic!
Era mais um amontoado de papel-machê, fortemente unido com uma liga de barro
e escamas de lambari, naturalmente colhidas em sua última aventura
submarina.

Com as pontas do dedo consegui ir separando as páginas, recuperando essa ou
aquela letra que tentavam fugir daquela maçaroca e pude então entender o
suficiente do referido aparelho para assegurar-me que as poucas noções que o
Fábio havia me passado com uma certeza grega, estavam inexoravelmente
erradas.

Chegávamos em Piracicaba.

Não vou aqui aborrecer meus leitores com os detalhes da largada, que de
resto foi igual a qualquer outra largada de raid. Passemos então ao que mais
nos interessa: a prova.

Calibrei o Totem pelo W padrão do Engesa (ah, isso o Parmesão sabia) e
partimos para nosso deslocamento inicial. As referências batiam com uma
precisão suíça. Essa planilha deve estar boa, pensei, apesar dos garranchos
que chamaram de tulipa...

Logo à frente a primeira aferição oficial e o W mudou um pouco. (Será
possível melhorar a perfeição? Pensei comigo). Bom, logo vi que não era. As
referências, agora ao longo de uma estrada, já não batiam tão bem, mas
debitei isso às médias maiores que fazíamos e vi esperançoso que haveria uma
segunda aferição oficial, para refinar mais ainda a primeira. Que bom!

Aferimos mais uma vez e então o W enlouqueceu. Ficou completamente diferente
do anterior. Os erros agora eram enormes! E depois de quase 20 Km, decidimos
aferir por nós mesmos, pois pior que aquilo, duvidávamos que ficasse.

E de fato o W voltou para mais próximo daquele primeiro, antes de qualquer
aferição, e as referências voltaram a fazer mais sentido. Uma nova aferida
ao final de mais uma longa perna nos gerou o W definitivo. Seja lá o que
Deus quiser.

A essa altura eu já me sentia bem mais à vontade com o Colossus, apesar
daquele seu teclado. Caramba! Não bastava que calculadoras, computadores e
telefones tivessem lay-outs de teclado diferentes, tinha que o Colossus
inventar mais um??? Nunca achava os números quando precisava deles, o que me
roubava tempo nas digitações. É certo que é uma questão de costume, mas
enfim, seguisse a mesma disposição do 6.0 e não precisaríamos nos acostumar
com ele, né?

Bom, chega o inicio de nosso trecho navegado e temos folga de tempo ao fim
do deslocamento para relaxar um pouco. Verificamos que todos os outros
competidores também tiveram as mesmas dificuldade com a aferição.

Largamos e seguimos bem, ainda nos acostumando um com o jeito do outro de
navegar/pilotar. Lá pelas tantas, o Fábio me solta essa:
-          Olha, Decio, eu não entendo bem desse negócio aí que você fala de
esquerda e direita, sabe? Então por que você não usa “meu lado” e “seu lado”
, ta bom?

Nem escondeu o sorriso amarelo. Vou escrever pro Papa. A Andréa precisa de
um processo imediato de canonização!

Mas apesar dos pesares, não estávamos mal. Perdemos tempo numa pegadinha que
envolvia umas voltas numa pedreira. A experiência do Fábio no local falou
alto para decifrar rapidamente os laceios pretendidos pela organização da
prova naqueles garranchos praticamente indecifráveis. Já no quadro seguinte
nos demos mal.
A planilha mandava contornar um lago, que na verdade era uma poça grande de
água suja. Tentamos de um lado, tentamos de outro e nada baita. Metemo-nos
em uma trilha sem saída e tivemos que voltar de ré. Como última alternativa,
atirâmo-nos dentro do lago, rasgando-lhe pelo meio e descobrimos o caminho
correto. Parece que “contornar”, em piracicabês é na verdade “tornar com” ou
“entornar”, que foi o que fizemos.

Três minutos de atraso e o motorsão do Engesa falou alto. Aí  já´não
importavam mais as velocidades médias. Apenas o tempo e manter-nos com as
rodas para baixo.
E quanto mais o motor rugia, o gato na capota miava apavorado! Hajam pernas
pra manter pra baixo! E haja geléia nesse pão, meu amigo!
As curvas passavam, as lombadas, as curvas-de-nível nos canaviais, as
árvores, os Willys, as pedras, tudo passava zunindo.

Mas valeu! O gato e a geléia mostraram a sua força e logo, logo a paz
voltava a reinar naquele jipe, com o tempo zeradinho até nos décimos!

Como é já famoso em Piracicaba, entramos e seguimos por dentro de vários
rios. Por leitos de pedra e de barro, nada nos detinha.
Nada? E o que dizer de uma parede de barro a uns 45 graus, que era a
barranca do rio? Atacamos uma, duas vezes, mas o peito de aço e o guincho
pegavam na frente e não nos deixava prosseguir. A turma da Copa tinha mesmo
feito um bom serviço comendo aquela passagem. Então um cabo de aço nos foi
estendido e aguardamos pelo lento tracionar de um guincho qualquer que
ficava fora do nosso ângulo de visão.

De repente, ao invés da leve tração, sentimos foi uma puxada forte e brusca,
que arrancou o Engesa daquela pirambeira como se fôssemos de papel. E com a
mesma rapidez, o pessoal do apoio nos livrou do cabo e pudemos prosseguir
atrás de nossos preciosos segundos. Ao acelerar, divisamos um poderoso
Unimog, responsável pela façanha. Caramba! Fiquei impressionado.

Mais pra frente o Neutral do almoço e as mentiras de praxe:

-          Eu passei direto em tudo! Meu Engesa é ANIMAL!!! Dizia o Fábio
balançando a genitália, enquanto enfiava a cara num enorme hot-dog que havia
feito de punho próprio.

Terminado aquele show de selvageria à que todos os participantes da Copa
Sudeste já estão acostumados, iniciamos nosso deslocamento em direção ao
primeiro trecho navegado da segunda metade da prova.
O Parmesão, como sempre, que parece que tem furúnculo, ou bicho
carpinteiro – como se dizia – naquele seu banco concha. Mal parou o jipe,
desceu para se dedicar a seu passa-tempo preferido: contar vantagem e coçar
o saco.

Após revisar metodicamente os instrumentos, conferir nossa posição na
planilha e pegar uma Coca, juntei-me à rodinha com o Fábio, só me afastando
no momento preciso de voltar à prova, quando então bati no seu ombro e
chamei:

-          Vamos, motorista, que está dando nosso tempo.

Mas tão empolgado estava com as mentiras que contava – e que pior: ele mesmo
passa a acreditar – que não me ouviu ou assim fez que.
Já eu, cônscio de meus deveres de navegador (ou, ainda que plagiando um
antigo Ministro nosso: ESTOU navegador, não SOU navegador), a poucos
segundos de nossa largada informei:

-          Faltam 5 segundos!

Virei pro lado e nada!

Nada de nada!

Soltem os cintos, o piloto sumiu!

E foi o que fiz: Estendi metade de meu corpo pela janela e gentilmente
informei, no tom mais delicado que permitiam a situação e minha educação
inglesa:

-          PO..@, Fábio!! K..¨%$%¨!!!! Ce ta atrasado, VAM’BORA!!!

Só assim ele se pôs a galope em direção ao jipe, tendo que levar na garupa
dois ou três gentis participantes que, vendo seu desespero, não se
contiveram em tentar impedir que o Parmesão alcançasse seu objetivo. Não
fosse meu desespero ouvindo o totem bipar e eu teria morrido de rir ao vê-lo
se aproximar trazendo dois ou três a reboque, dando cotoveladas e safanões
para se livrar deles!!!!

Aquele raid tinha virado a própria ZONA! Mas três morridas de motor depois e
o Engesão se punha em movimento novamente, sendo que, em pouco tempo
recuperávamos nossa precisão suíça e recuperávamos todo o nosso atraso. Gato
e geléias OK.

É verdade que nessa etapa comi bola duas vezes, disparando trechos na
referência errada, e é verdade também que a experiência do Fábio foi
fundamental nessa hora para perceber a falha e continuar no trajeto enquanto
eu voltava a acertar o Totem. Mas os erros em si não tiveram maior alcance e
podem ser creditados em parte às imprecisões da planilha, que nada ajudavam,
e em parte também à minha pouca experiência no banco direito. Este foi meu
terceiro raid navegando.

De qualquer forma, continuamos com uma boa performance, apesar das agruras.
E tome mais rio!
Lá fomos nós rio adentro novamente, saltando sobre pedras, onde a primeira
vista, nenhum carro passaria. Mas nada parecia nos segurar! O Engesão seguia
firme sobre as pedras até que...Até que vimos um longo comboio de jipes à
nossa frente.

Pelo que soubemos, um Samurai teve seu pneu destalonado ao subir a barranca
do rio, e ficou lá retido por um bom tempo. Devido às margens altas, era
impossível desviar, e amargamos no local por quase 9 minutos.

Ao subir a margem, o Osmar do Comando Oeste, convocava todos a reivindicar
um neutral extra de 15 min. Segundo argumentava, e todos concordamos, isso
era muito mais sensato do que lançar mais de 10 jipes em uma disparada
louca, tentando recuperar um atraso de mais de 10 minutos. para muitos dos
competidores.
Havia ali um representante da organização da prova que de pronto concordou e
incumbiu-se da avisar os demais.

Inseri  a nova informação no Colossus, aguardamos nosso novo horário ideal
(dessa vez segurei o Parmesão dentro do jipe) e partimos rumo ao final.
Bom, ocorre que, como soubemos depois, parece que o dito representante da
organização ficou tão preocupado em dar ciência aos demais sobre o neutral
extra de 15 min que, na 1a oportunidade, se mandou em direção ao restaurante
de chegada. Os jipes que atingiram aquele ponto depois disso, sem apoio para
sair do rio e sem a informação do neutral extra, foram lançados á sua
própria sorte. Entre eles o Bambini, do JC de Pirituba.

A apuração, como se imagina, principalmente aqueles que já conhecem as
provas realizadas naquela cidade, não levou menos do que 4 horas. Um grupo
vinha e apresentava seus argumentos para cancelarem esse ou aquele PC.
Quando o diretor de prova estava para acatar seus motivos, um outro grupo
logo se formava para insurgir-se contra a decisão. E assim fomos noite
adentro, até que alguém se encheu - provavelmente e muito justamente o dono
do restaurante, já que àquela hora ninguém mais consumia nada, só brigava.
Foi dada então a situação estabelecida no momento como líquida e certa, e
quem não gostasse que fosse reclamar ao Bispo.

E nós gostamos! Com 70 pontos perdidos, fomos agraciados com o 1o lugar na
categoria Aberto!

Assim, depois de rirmos muito, sofrermos bastante nessa longa prova - 7
horas de raid – e aproveitarmos o dia de montão, chego à seguinte conclusão:
entrosamento, team-working e cordialidade realmente não levam a nada! O que
vale é a garra!
Nós ganhamos!!!!!!
(e temos fotos pra provar)

Eu sei que mais uma vez vou aparecer na revista com o nome de Andréa
Vernizi, pois o P*&O do Fábio é incapaz de me inscrever corretamente. Mas
fazer o que, né? Afinal de contas, a Andréa merece. Pois além de ter de
agüentar o Parmesão em tudo que é prova (terminando inclusive boa parte
delas de cabeça para baixo), tem ainda a incumbência de agüenta-lo também
fora delas!!!!

Ah! E a minha vitória eu dedico ao Gato, e à geléia, naturalmente, sem os
quais não teria sido possível terminar essa prova com as rodas abaixo de
nossa linha de cintura.

Abraços no tempo,


Decio Pedroso

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